terça-feira, 21 de julho de 2009

A ciência de conseguir um sim


Tem gente que já nasce sabendo negociar. Para os outros mortais não tem acordo: só aprendendo a técnica

Quer você goste da idéia ou não, saber negociar bem é uma questão de sobrevivência. Você tem de negociar o tempo todo – da decisão de aumentar a família a uma promoção, passando pelo preço do carro que deseja ter na garagem. Só no trabalho, pelo menos cinco de dez ações diárias envolvem negociação com clientes, chefes ou colegas. O dado é de uma pesquisa feita no ano passado, com profissionais de diversos países, pela escola de negociação da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Nunca se falou tanto sobre o assunto. Dezenas de livros abordam a administração e de Direito já incluíram a negociação nos programas de graduação, pós-graduação e MBA (mestrado em administração de negócios). Consultorias especializadas também estão chegando ao Brasil. É o caso da escocesa Scotwork, que há 28 anos treina executivos para negociar de forma eficiente em mais de 20 países. Em São Paulo há um ano, a Scotwork já formou 150 profissionais de corporações como Pepsico, Cisco, Microsoft e General Electric. Parece que a resposta atendeu à demanda do mercado, porque o número de clientes não pára de aumentar. Em 2004, a Scotwork fechou 14 turmas de 10 alunos. Para o ano que vem, já há 36 turmas na fila de espera.

Mas será que é possível formar um negociador dentro da sala de aula? Para o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, um dos maiores negociadores brasileiros, a resposta é “não”. “Não há curso melhor do que a prática. Foi assim que aprendi”, diz ele. Durante 46 anos, Flecha de Lima, que hoje tem 71, defendeu os interesses do Brasil em negociações delicadas – como a que retirou dezenas de trabalhadores brasileiros do Iraque, em 1990, em plena Guerra do Golfo. Quando sentava à mesa de negociação era um gentleman, mas sempre foi firme em suas posições. “Eu não acredito em negociação soft. Se você não for duro, acaba passando por ingênuo ou incompetente”, afirma. O professor americano William Ury, por sua vez, acredita que é possível, sim, formar um negociador na escola. Diretor do programa de negociação de Harvard, Ury é tido como um dos maiores negociadores do mundo. É co-autor (com Roger Fisher e Bruce Patton), do best-seller Como Chegar ao SimA negociação de Acordos Sem Concessões (editora Imago). Hoje, além das aulas na universidade, Ury trabalha como consultor e tem entre seus clientes de chefes de Estado a presidentes de grandes empresas. “Para mim, negociação é parte arte, parte ciência. Existem pessoas que nascem com um dom especial para solucionar conflitos. Outras têm mais dificuldade, mas podem aprender as técnicas e se aperfeiçoar”, disse Ury a VOCÊ S/A. O que você vai ver nas próximas páginas é exatamente isso: dicas para ajudá-lo a se sair bem em qualquer tipo de negociação, seja na defesa de um contrato da sua empresa, seja provando a seu chefe que merece um aumento e mais tempo livre para seus projetos pessoais.

Sem confiança, nada feito

Em toda negociação há uma série de variáveis envolvidas. Sorte e o estilo de seu interlocutor são duas delas. Mas existe também uma parte que não muda e deve sempre ser levada em conta, não importa quem esteja do outro lado. Ganhar a confiança dessa pessoa é indispensável para que as coisas andem bem. “Hoje as empresas e os executivos buscam parcerias de longo prazo num ambiente econômico que muda a todo instante. Sem um nível mínimo de confiança é impossível chegar a um acordo”, diz Deepak Malhotra, economista e professor de Harvard. Recentemente, Malhotra escreveu um ensaio que aponta seis maneiras de estabelecer confiança em uma negociação. Elas parecem óbvias – e são -, mas muitas vezes são justamente esses cuidados que as pessoas esquecem quando estão tentando fazer um acordo.

1. Faça concessões – Saber abrir mão de um interesse em favor do outro pode ser uma das formas mais eficientes de estabelecer confiança. Antes de sentar-se à mesa, estabeleça notas para os pontos que irá negociar. Esse artifício dá uma boa idéia de quanto determinado item é importante para você e quais são aqueles de que pode abrir mão sem maiores prejuízos.

2. Crie um vínculo de dependência – Você precisa fazer seu interlocutor entender os benefícios únicos que ele terá se ficar do seu lado. Ou os prejuízos, no caso de não adotá-lo como parceiro.

3. Use sua reputação – Nas negociações, sua reputação sempre o precede. Por isso, introduza um parceiro externo que goze de prestígio perante a outra parte. Faça com que essa pessoa interceda a seu favor, ressaltando suas qualidades. O ideal é que ela faça isso antes, numa ligação telefônica ou em um encontro com seu interlocutor.

4. Seja transparente – No início, seu parceiro vai avaliar da pior forma possível suas intenções ou interesses. Portanto, seja claro, objetivo e conciso. Antes da negociação, Flecha de Lima tinha o hábito de preparar seus argumentos e de, se necessário, desenhar a linha de raciocínio que iria seguir. “Gaste tempo explorando, tentando esgotar todas as possibilidades. Durante uma reunião, nunca deixe a outra pessoa com dúvidas”, diz.

5. Fale a língua do seu interlocutor – Esse princípio vai além de entender o idioma ou os termos técnicos do negócio que está sendo realizado. É preciso compreender a história, a cultura e a perspectiva da outra parte. É o que o professor William Ury chama de vestir os sapatos alheios.

6. Maximize os ganhos – O radicalismo na hora de negociar está ultrapassado. Na medida do possível, o acordo deve sempre ser feito na base do ganha-ganha. Afinal, você certamente terá oportunidade de negociar com aquela pessoa novamente.

Técnica é indispensável até mesmo para Ronaldinho, o jogador brasileiro que é um fenômeno com a bola. Com os negociadores não é diferente. Flecha de Lima aprimorou durante quase meio século seu talento de negociador. Você não precisa esperar tanto tempo. Há cursos que condensam toda a teoria em um ano de aula ou menos. Isso não quer dizer que você sairá de lá pronto para negociar milhões. É preciso praticar. No curso de Harvard, os alunos fazem simulações de situações reais, tudo para chegar na hora H com os argumentos na ponta da língua. “Tornar-se um bom negociador requer paciência. Não se aprende da noite para o dia. A chave é a disciplina. Na prática, os mais calmos se saem melhor”, diz o professor William Ury.

Estilo regional

Além de estabelecer uma relação de confiança, você deve também prestar muita atenção na maneira como seu interlocutor negocia – e mudar sua abordagem em função disso. O professor Eugênio Carvalhal, coordenador do curso de formação de negociadores da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, está finalizando um levantamento que traça o perfil do negociador brasileiro. O estudo, iniciado em julho de 2001, ouviu 823 executivos do país inteiro e dá uma idéia de como os brasileiros se comportam quando o assunto é negociação. O foco da pesquisa não foi o que os executivos falaram sobre si mesmos, mas o que os profissionais que sentaram do outro lado da mesa disseram sobre negociadores de diversas capitais. O professor apresentou aos executivos uma ficha com cem adjetivos, baseados em diferenças culturais conhecidas, que deveriam ser escolhidos de acordo com a origem do negociador avaliado. Confira:

Rio de Janeiro – Extroversão e informalidade

Os cariocas têm grande capacidade de adaptação. A informalidade excessiva, no entanto, pode soar como falta de compromisso com resultados e pouca capacidade de organizar idéias, especialmente diante de pessoas mais assertivas.

Belo Horizonte – Calma e desconfiança

Tranqüilos e prudentes na hora de fechar um acordo, negociadores de Belo Horizonte também costumam ser bons de barganha. A desconfiança e o silêncio, porém, podem deixar a outra parte insegura, receosa de revelar informações importantes.

Curitiba – Conservadorismo e frieza

Os curitibanos são objetivos e focados no fechamento do negócio. Às vezes assumem uma postura muito formal, o que pode dificultar uma conversa mais aberta. Saiba respeitar o espaço pessoal.

Porto Alegre – Altivez e franqueza

Os gaúchos são objetivos e gostam das coisas ditas de forma direta, sem rodeios ou divagações. O xis da questão é que o orgulho e um certo excesso de auto-estima os deixa com fama de parciais e pedantes.

São Paulo – Orgulho e ousadia

O negociador paulistano é organizado, objetivo e trabalha por resultados. Pode parecer frio e sistemático. Usar um tom mais conciliador ajuda a diminuir as barreiras e até a acelerar o desfecho do negócio.

Recife – Criatividade e disponibilidade

Os recifenses sempre usam sua criatividade para encontrar soluções que evitem o confronto direto. São também muito prestativos. É importante, no entanto, ser firme na defesa de suas propostas.


Sob o domínio da ansiedade

Nada é mais prejudicial do que a ansiedade em uma mesa de negociação. Esta é a conclusão de Leonard Grenhalgh, professor de administração, gestão de relacionamentos e negociação na Tuck School of Business, nos Estados Unidos. Faz 25 anos que Greenhalgh estuda a influência dos aspectos emocionais em uma negociação. A novidade é que ele descobriu que, nessa hora, a ansiedade age de forma diferente em homens e mulheres. “Todos devem ser capazes de entender como a ansiedade afeta a personalidade. A melhor forma de administrá-la é evitar que dê lugar a reações intempestivas”, diz Greenhalgh. Veja as principais diferenças no comportamento deles e delas durante uma negociação:

Homens

Mulheres

Angustiam-se quando percebem que estão a ponto de perder um bom acordo.

Se tiverem de partir para o confronto, ficam aflitas porque valorizam relacionamentos de longo prazo.

São mais competitivos e presos aos aspectos formais e visíveis envolvidos em uma negociação.

Conseguem identificar no gestual do interlocutor se ele está mais receptivo ou não a uma proposta.

Ficam aflitos quando surpreendidos por algo que não estava em seu script. Nessa hora, tendem a ficar mais agressivos ou evasivos.

A ansiedade toma conta delas quando percebem que os sinais do interlocutor são desencontrados ou se percebem que ele está jogando para obter vantagem.

Fonte: Revista VOCÊ S/A – outubro de 2004 – pg. 52 a 58.

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