quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Mulheres à beira de um ataque silencioso

Fonte: Agência BR NEWS 

Carlos Viana

Os resultados do primeiro estudo epidemiológico feito no Brasil sobre o problema do hipotireoidismo (tireóide lenta) revelaram dados alarmantes. 

De acordo com os especialistas, 12,3% das mulheres entrevistadas sofrem de algum tipo de alteração na glândula que pode levar a problemas graves como perda de memória, anemia, ressecamento da pele, aumento do colesterol, hipertensão, ganho de peso, fraqueza muscular, depressão, irregularidade menstrual e até infertilidade em casos extremos. 
Para se chegar ao resultado, foram entrevistas 1.299 mulheres com idade acima de 35 anos. Essa faixa etária é a mais atingida por alterações da Tireóide. O mais grave é que 85% delas não tinha conhecimento de que a Tireóide não funcionava como deveria. Esse também é um problema tipicamente feminino porque atinge apenas um homem em cada dez casos. Outro detalhe importante é que o hipotireoidismo não escolhe classe social ou raça. O levantamento feito pelas Universidades Federal e Estadual do Rio de Janeiro ouviu mulheres de todos níveis econômicos no período de 2003 e 2004. 
Como os resultados desta pesquisa servem para uma amostragem nacional, a situação tomou contornos de calamidade pública. De acordo com o endocrinologista Mario Vaisman, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do estudo, quase 13 em cada cem brasileiras apresentam algum tipo de problema ligado à Tireóide. Nos Estados Unidos, esse índice não supera os 9,5% em cada cem mulheres. 
Segundo os especialistas, como a quase totalidade não sabe que precisa de tratamento para controlar a emissão dos hormônios, muitas delas chegam a desenvolver quadros graves de descontrole emocional e afetivo, o que pode levar a problemas de relacionamento. Outro problema é a dificuldade em engravidar, um risco que aumenta após os 35 anos. 

Vaidade sem limites
A pesquisa das universidades cariocas revelou ainda que a busca por um corpo perfeito pode também ter colaborado no aumento das doenças. 34% das entrevistadas revelaram que usaram fórmulas emagrecedoras à base de substâncias consideradas perigosas para o organismo. Para cumprir a promessa de emagrecimento rápido, esses medicamentos são produzidos com altas doses de produtos que inibem o TSH, o hormônio que controla o funcionamento da Tireóide. Ao serem ingeridos provocam o desequilíbrio em uma área fundamental para o funcionamento correto de várias funções. A vaidade a qualquer custo leva prejuízos graves para a saúde. 

Sintomas e tratamento
De acordo com o doutor Vaisman, os fatores emocionais também ajudam, e muito, no desenvolvimento dos problemas hormonais. A vida moderna, as atribuições de cuidar de um casamento e ao mesmo tempo serem bem sucedidas na carreira profissional, têm levado as mulheres a um extremo de cansaço e preocupação que geram as alterações no organismo. 
Foi o que aconteceu com a bancária Simone Rodrigues, 40 anos, dois filhos. Funcionária de um banco internacional, Simone trabalhava em média 10 horas por dia e durante a noite tinha de dividir o tempo com o marido, as crianças e um curso de Administração de Empresas. 
"Era tudo muito corrido e eu tinha de equilibrar as tensões do trabalho com a cobrança dos meus filhos", conta Simone.
Por causa da vida corrida, a bancária conviveu muito tempo com os sintomas de uma Tireóide alterada pensando que se tratavam apenas de reações comuns oriundas de um stress profissional. "Sentia uma dor de cabeça que no começo era leve, mas depois começou a não passar durante a noite", explica. Ao longo do tempo, a dor de cabeça passou a ser acompanhada de cansaço, um sono pesado que não tinha explicação e alterações constantes no humor que logo foram percebidas pelo marido. Depois de várias consultas, a bancária recebeu o diagnóstico: sofria de hipotireoidismo. A produção de hormônios estava lenta, abaixo do necessário, e desencadeando os sintomas físicos. 
Ciente do problema, Simone foi orientada pelo médico a fazer exames de sangue regulares para medir os índices hormonais em busca de saber a quantidade certa de levotiroxina que necessitava, introduzida no organismo por meio de um comprimido diário. 
"Hoje tenho consciência de que meu problema foi emocional. Não cuidei como deveria do stress e agora terei de fazer esse controle por toda vida", confirma a bancária. De fato, quando uma mulher desenvolve um problema na Tireóide, os médicos iniciam um tratamento simples e diário que deverá ser mantido por toda a vida para prevenir a volta dos sintomas. 
Problema pode ter se agravado por excesso de iodo no sal
Um dos maiores especialistas brasileiros em Endocrinologia provocou uma grande polêmica, ao afirmar que "a grande quantidade de mulheres afetas pelo hipotireoidismo pode ser resultado de uma irresponsabilidade pública". Professor da faculdade de medicina da USP e Consultor do Ministério da Saúde, Geraldo Medeiros Neto, explica que o problema começou em 1998 quando a Agência Nacional de Vigilância autorizou as indústrias salineiras a aumentarem a quantidade de iodo no sal de 40-60g/kg para 40-100 g/kg. Na denúncia, o médico diz ainda que a decisão foi tomada por funcionários do baixo escalão público sem o consentimento dos especialistas em saúde. 
O alarme no governo soou quase três anos depois quando uma pesquisa feita com urina de alunos de escolas públicas revelou o excesso de iodo na população. "Não foi o suficiente", explica o médico.
Somente dois anos depois, as taxas foram, então, oficialmente reduzidas para 20-60 g/kg. 
Mas, já era tarde para evitar o agravamento dos casos. "O consumo excessivo de iodo por mais de três anos pode levar ao surgimento de alterações graves no funcionamento da Tireóide" explica o endocrinologista.
O aumento na taxa de iodo teria sido autorizado apenas porque as empresas se queixavam de que era difícil medir a proporção determinada por lei, o que levava a multas. Para facilitar a vida dos empresários, o índice foi alterado de forma perigosa e até irresponsável. 
Para piorar ainda mais a situação, o Brasil está entre os países que mais consomem sal na comida. Diariamente, os brasileiros absorvem entre 12 a 16 gramas do produto, quase três vezes mais do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário